Tentei escrever sobre o luto em um texto pouco científico, desses com definições racionais e bem pensadas para que a leitura fosse para todos, mas colocar o leitor por minutos na dor do outro sem tocá-lo, seria uma perda de tempo. Da mesma maneira, como é importante entender que o enlutamento é também um processo de aprendizado e ressignificação do eu é que decidi transcrever partes do relato de uma mãe que perdeu seu bebê aos cinco meses de idade intrauterina. Aí vai!
“Não há como descrever a dor da perda de um filho, porque acho até que, de tão grande, ela transforma tudo num vazio ou num grito surdo de dor lancinante de ódio e desespero. Parece que aquele parto forçado ecoa ainda no meu coração. Uma semana morto dentro de mim. Pensar que fui seu túmulo, faz com que eu me sinta uma pessoa bizarra perambulando pela vida até hoje. Morto e aos pedaços, necrosado e se dissolvendo dentro do meu útero, tudo embalsamado por um casulo de fibras. Ainda assim era meu. Não soube e nunca saberei qual o seu sexo; nunca vi seu rosto ou pude enterrá-lo. Arrastei um desespero abissal por uns dois anos, mergulhada na escuridão da depressão. Como pode eu não ter ido com ele? Porque eu tive que sobreviver sem aquele sonho esfarrapado que carreguei que se mexia e mexia com minha imaginação, com o desejo e o amor que eu tinha por ele. O tempo passou devagar e eu fui saindo aos poucos de dentro de mim, descobrindo ter uma força maior do que eu pensava e que tirei não sei nem de onde. Por isso estou aqui para contar e recontar essa história, ainda com alguma tristeza lá longe porque por mais que eu tenha me superado e aprendido com a experiência, para mim o luto não é coisa que se cure,mas que arrefece e não finaliza.” (08/07/2024)